MATÉRIA | Caminhos não-literários que fazem bons autores, parte I
Em seu artigo de estreia, Tatiana Cared nos convida a conhecer de modo panorâmico outras linguagens que perspassam a literatura e que são producentes para a criação de romances. Em especial, na primeira parte dessa matéria, analisamos de modo mais focado a pertinência do fanfic, gênero que se espalha de modo exponencial nas plataformas de literatura independente.
Aquilo que é considerado literatura está sempre em discussão na mídia. O sucesso de best sellers vendidos nos últimos anos têm sido questionados pela sua origem e pela qualidade do conteúdo das histórias que carregam. Felizmente, ou infelizmente, devemos considerar o que vários teóricos da área já colocaram em pauta: cada período histórico abrangerá obras diferentes como literatura. Afinal, a literatura é uma combinação entre a influência de fatores sociais, políticos, econômicos, históricos e culturais de uma sociedade com a utilização de uma linguagem que se adeque com o universo que estará abordando, seja o texto factual ou ficcional.
Como não há uma fórmula clara para se escrever uma história, não é estranho que novos autores estejam surgindo de áreas consideradas inusitadas no nosso século. Percebe-se que, mesmo as narrativas não sendo criadas com estruturas diretas da literatura, elas se inspiram em alguns de seus elementos e permitem uma adaptação de seu formato e conteúdo quando necessárias.
Pensando nas formas de comunicação disponíveis nos dias de hoje, se torna cada vez mais comum que livros de entretenimento (como são majoritariamente considerados) surjam a partir de histórias criadas pela internet, jogos, cinema e quadrinhos. Da mesma forma que o contrário, literatura adaptada para esses formatos de arte, seja feito.
Originalmente, as narrativas possuíam cunho oral e quando passaram a ter registros eram inicilamente feitas por meio de imagens e símbolos (elementos não verbais). É de modo tardio que esses símbolos tornaram-se representações gráficas dos sons e sentidos, palavras (elementos verbais). Por conta disso a Literatura é considerada a arte da palavra, enquanto o cinema e os quadrinhos ganharam notoriedade com a combinação do uso de imagem com texto, por isso não sendo considerados literatura formalmente, possuindo categorias próprias.
Ainda assim, é possível desconsiderar o material que está sendo criado e/ou adaptado dessas diferentes formas de narrar como literatura? A verdade é que, conforme citamos acima, cada época se adaptará com diferentes fatores culturais. Por esa razão não devemos simplesmente canonizar toda a novidade, mas sim selecionar quais são as vantagens e possibilidades que as histórias que surjam fora dos livros tem a oferecer de volta à sociedade.
Para estabelecer essa discussão, vamos apresentar abaixo formas de escrita que não são consideradas literárias, mas que nos permitem explorar alguns benefícios aos autores independentes que começaram a criar e sentem dificuldade com algum gênero textual ou como desenvolver a sua história.
FANFICS
Originalmente, o termo que é conhecido popularmente como fanfic não teve origem nesse século, mas o crescimento da internet nos últimos 20 anos foi o principal incluenciador para o desenvolvimento desse novo formato de texto. A ficção de fãs (traduzida do inglês) nasce como uma possibilidade de explandir o universo narrativo de uma obra, com a intenção de confrontar as leis de direitos autorais, e também de modo a unir os fãs.
Coma expansão tecnológica e o fácil acesso aos mais diversos produtos midiáticos (textos, áudio ou vídeo) revelaram a capacidade de adaptação e criação dos mais diversos artistas nos mais remotos cantos do planeta e, consequentemente, alavancaram grupos de seguidores. Particularmente a internet foi responsável por permitir que as narrativas de livros, séries e filmes não permanecessem apenas como uma lembrança nostálgica ou uma idolatria banal na mente do público. Além da facilidade de distribuição que a tecnologia ofereceu, jovens entusiastas cheios de tempo livre e criatividade passaram a criar e redefinir o universo das histórias que mais amavam. Na mão dos fãs, as fanfics renderam tanto sucesso que não se limitaram a virarem livros nas estantes, mas chegaram aos cinemas e alavancaram carreira de novos profissionais em todas as áreas da comunicação.
Esses resultados podem ser percebidos quando falamos de plataformas independentes, como o caso do wattpad. Criada em 2006, ela aceita publicações não apenas em português como também em línguas que vão desde o inglês, espanhol, tailandês, esloveno e demais línguas estrangeiras pensáveis. Anualmente há premiações de narrativas por parte dos administradores da plataforma e publicações de autores brasileiros.
Mas quais as vantagens de escrever fanfics?
Primeiramente, há a tolerância pela mídia geral e também serventia para divulgação e consumo do original. Sabe-se que não apenas autores renomados esperam reconhecimento daquilo que criaram, mas dentro da produção independente espera-se crédito por aquilo que se escreve.
Fanfics se tornam um treino de redação e escrita criativa. A constante leitura e produção colaboram para entendimento de regras gramaticais e diminuição dos chamados erros ortográficos, auxiliando na aprendizagem do uso de sinais gráficos e estruturas narrativas que nem sempre são exploradas nos ambientes acadêmicos ou escolares.
A publicação independente na internet é uma forma de enfrentamento do medo clássico de aceitação. Nem sempre as críticas recebidas sobre o texto são positivas, mas que podem ser construtivas. Apontam trechos que estejam extensos, falhas de continuidade, e outros elementos necessários a serem incluídos ou desnecessários aos quais o autor pode estar viciado e não perceba conforme o ritmo de escrita.
Por último, a ampliação do universo de uma história ou a criação de outros em paralelo estimula a capacidade criativa e investigativa do autor. Fanfics exigem que se conheçam elementos essenciais de uma obra para que então seja possível adaptá-los. Seja a narrativa ficcional ou não, frequentemente o nome das personagens, a localidade e algumas vezes o período histórico são mudados.
É hobby ou trabalho?
O caso mais famoso de uma fanfic de sucesso tenha sido da autora E. L. James com 50 tons de Cinza. Originalmente a história dividida em 3 volumes era uma adaptação do universo da Saga Crepúsculo. Não sendo a única, After, escrito pela americana Anna Todd recentemente ganhou notoriedade por também ascender do universo cibernético e estar em produção cinematográfica, um assunto melhor abordado na sequência dessa matéria.
A notoriedade que receberam não se limitou a permanecer como um passatempo juvenil. É lógico que para alcançarem o status atual as autoras tiveram que realizar consultorias em relação aos seus materiais, revisar e mudar seus textos em busca de outros nomes e aspectos das personagens, uma tarefa importante também ofertada pela nossa equipe e que pode tornar-se menos estressante para os autores independentes.
Mas, ter de passar por todo esse sufoco físico de reescrever a obra não é a única parte trabalhosa da tarefa. Realizar essas mudanças é necessário para que não se enfrente ações judiciais. Como assim? Pode parecer simples, só que ambas utilizavam referências diretas a outras obras e artistas e, como já mencionado, os conhecidos direitos autorais (também conhecidos como copyrights) são uma questão necessária a ser considerada quando falamos de escrever e produzir qualquer tipo de texto.
Lembrando que plágio é crime e que ninguém quer passar por esse tipo de acusação, há formas de proteger a sua obra por ser autor dela. Mesmo que estejamos bombardeados de informações e descobrir quem realmente teve a ideia original de uma obra se assemelhe a encontrar uma agulha no palheiro, existe uma forma de registrar a sua fanfic e defender a utilização comercial da mesma. A partir da plataforma Avctoris é possível registrar uma fanfic. (https://avctoris.com/)
Interessante? Leia-se auktóris, oferecerá um certificado de autenticidade, de acordo com a lei de direito autoral, para “os textos de obras literárias, artísticas ou científicas”. Realizado a partir de um formulário e de baixo custo a sua narrativa tem total potencial para comercialização. Não se pode esquecer que para a fanfic ter esse registro ela tem de virar uma obra original, então será necessário retrabalhar o texto, mudar nomes de personagens, local e época onde a história ocorre e um novo autor independente surgirá.
Na sequência dessa postagem ainda abordaremos sobre outras possibilidades de áreas onde a literatura e a autoria independente surgem. Aguardem!
REFERÊNCIAS
Terry Eagleton: O que é Literatura?
7 fanfics de sucesso da literatura para o cinema
Fan Fiction—TV Viewers Have It Their Way
Da internet para as prateleiras: veja 6 fanfics que viraram livros
O futuro das fanfics
http://colunas.revistagalileu.globo.com/colunistas/2013/05/27/o-futuro-das-fanfics/
COPYRIGHT: uma fanfic pode ter seu direito autoral registrado?
Manifesto das Sete Artes por Ricciotto Canudo
Sobre o autor
- Formada em Letras-Japonês (UFPR). Gosta de livros, filmes e games. Co-Editora da Tudo éX Texto e produtora do Sacolão dos Livros. Também oferece seu serviço de coaching na Laboralivros.com