MATÉRIA | O mal oculto de Machado de Assis
Texto de Fernanda Scheffler.
Uma das poucas coisas que sabemos sobre Machado de Assis é a sua história familiar. Nasceu em pleno Período Regencial no Rio de Janeiro e faleceu em 1908 no mesmo local, aos seus 69 anos. Era um garoto pobre, filho de um operário mestiço. E, em meio a toda sua história, diversos relatos de biógrafos ortodoxos especulam que Machado tenha sido portador de epilepsia, desenvolvida ao longo de sua vida devido a problemas nervosos.
A partir do começo do século se tornaram mais numerosas as informações sobre a enfermidade de Machado, incluindo cartas e relatos soltos. Ele pouco falava sobre a doença, buscando escondê-la da curiosidade alheia. Entretanto, em 1890, a confidenciou a Magalhães de Azevedo e a José de Alencar, sempre mostrando pudor e cautela, refletindo notável constrangimento e sofrimento agudo: “O mal não é tão grande como parece; é agudo, porque os nervos são doentes delicados, e ao menor toque retraem-se e gemem” (1908). Suas próprias palavras abrem o leque de sintomas que comportavam a rapidez dos ataques e do desaparecimento dos efeitos e as repetições constantes que o amedrontavam, além de dores, sonolência, ausência e boca amargosa.
Carlos de Laet presenciou uma das crises epiléticas vividas por Machado e a descreveu da seguinte maneira: “Encarei-o surpreso e achei-lhe demudada a fisionomia. Sabendo que de tempos em tempos o salteavam incômodos nervosos, despedi-me do outro cavalheiro, dei o braço ao amigo enfermo, fi-lo tomar um cordial na mais próxima farmácia e só o deixei no bonde das Laranjeiras, quando o vi de todo restabelecido, a proibir-me, que o acompanhasse até casa”.
A sua enfermidade também se pode ver refletida nas suas obras – embora a palavra “epilepsia” tenha sido censurada em edições posteriores. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, descrevendo a morte do amante de Virgília, diz originalmente: “não digo que se deixasse rolar pelo chão, epilética”, palavra posteriormente substituída por “convulsa”. E no conto Verba Testamentária também se é descrita uma crise epilética. Em Quincas Borba há uma referência a um problema nervoso, da seguinte maneira: “[…] nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas que a fizeram”.
Não se sabe exatamente o fundamento que poderia explicar o surgimento da doença, apenas se especula que tenha se iniciado ainda na infância, já que o próprio autor dizia que ocorriam “coisas esquisitas” durante esse período. E nos seus últimos anos se tornaram mais frequentes, alterando vagamente a consciência e trazendo confusão.
Apesar da doença, Machado não mostrou nenhuma perturbação na personalidade geralmente atribuída à doença. Sua genialidade desmedida é refletida em todas suas obras e de forma alguma a enfermidade excluiu sua inteligência e criatividade. Pelo contrário, Machado de Assis é reconhecido, hoje, como um dos mais importantes escritores da literatura mundial.
Fonte: Machado de Assis e a Epilepsia, de J.L. Lopes.
Caramba .não sabia disso