Poemas de Raul K. Souza
eu
quero ser retalhado
cartesianamente antínoo
ser antologia de pedras
álbum de canivetes
e conhecer a montanha onde
esqueceram kierkegaard.
quero lembrar que tenho um crânio
que os animais são tão humanos
quanto a hombridade de pivetes.
quero exercitar a língua como aquela bicha
que adoro, o ricardo de vestido
e eu assistindo o teto na cama desses joões ninguéns
afundando na cava
nilo da maria antonieta
quero que o apocalipse seja adunar gatos
em cima do peito
Poema 2
te ofereço a minha cabeça
no mês passado uma camaçada
de hiatos e eu só queria ouvir
a voz ainda incomoda o guarda
no canto do ouvido o ruído que
fez quando empurraram a chuva
vassoura que esfregava a calçada
um tal de barco, de ladainha
coisas sem âncoras
quando resolvi ficar
uma fatia de pizza foi a âncora
acontece que a primeira mordida
veio passional
de tudo fica um pouco:
do cimento nos dentes
do gosto de azul
do cheiro dos sonhos no travesseiro ilha
do cigarro no oco dos tijolos
da superfície de cinza
no pôster da derrocada
do susto na foto da ausência
da cara que ficou quando engoli
da fatia sabor especial (veneno)
quando li as palavras na caixa
ouvi o cavalo de estimação
em cima do apartamento
não há na forma urdida de organizar sessões
: linha, gancho ou cardápio.
é a postura de fome, a vontade de
descer na avenida, bater nos três vasos
de planta e devolver a chave com a cabeça.
essa descrição medíocre de três meses
do percurso da barba na investida de quadril
de homem de lavanderia de seis anos
em algumas religiões costuma-se
encontrar homens lendo caixas de pizzas
como se fosse a bíblia alucinada dos que riem
mancando no tempo (não que isso combine)
com qualquer corredor da transgressão.
meus pais moram a três quadras da br-277
repetidamente uma vez ao ano
eu me dava conta de um medo terrível
e pedia baixo pra que ninguém se machucasse
mais um ano a tragédia não afogasse
alguma das 13 ou 14 pessoas que dormiam no chão
repetidamente com o passar dos outdoors
me dava conta da escola,
o que faziam nos dias-chuva aqueles que moravam em montanhas
? com quem brincavam, como recebiam visitas
se eram árvores e aço
? eu sinto uma estranheza toda vez que vou para o mar
um mau presságio,
repetidamente eu penso como é estar a 47 km do mar
repetidamente da casa dos meus pais, eu digo para joão
: este ano nós fomos atrás daquelas montanhas ali ó
e concluía que devia ser ruim
estar mais perto do mar e longe
do terminal e do centro da cidade
quando conheci a fran e o celso, eu costumava esperar
os ônibus que vinham da direção do mar
e brevemente pensava no verão
éramos 14,
eu só sabia minha avó que viu o mar pela primeira vez após 57 anos
eu só sabia da espera para usar o banheiro
e de três pessoas que morreram no mar
na lua de mel deles com uma irmã
se pagava muito caro para ver o mar
anos depois e me doía o mar no rosto da dáfine
quando perdi mãe-se-esconde amplificado
e a derrubei no chão na frente de desconhecidos
na cama comigo
aquele foi o pior e o melhor dia da minha vida
a sibele e o allan no sofá
eu encarava nu a cratera que se abria
no beliche de cima
aí eu fugi para o mar
três dias depois e
desejei nunca mais encontrar a prima da sibele
até hoje eu penso
que fiquei lá
Raul K. Souza é natural de Curitiba, com formação em Filosofia, largou uma especialização em Filosofia e Direitos Humanos para andar de bicicleta e depois largou a bicicleta de lado.
Atua como Editor-executivo na Kotter Editorial. Além de editor, escreveu e produziu junto da Francielli Cunico e Antonio Lopes, o Zine independente Astronautas pedem uma pizza e dois pathos com gelo, 2017. Em 2021 lançará seu primeiro livro, ligações que rasgam.
Muito crítico, pois virginiano.
Sobre o autor
- Editor-chefe da TXT, Daniel Mascarenhas Osiecki nasceu em Curitiba, em 1983. Escritor e editor, publicou os livros Abismo (2009), Sob o signo da noite (2016), fellis (2018), Morre como em um vórtice de sombra (2019), Trilogia Amarga (2019) tendo mais dois no prelo: 27 episódios diante do espelho e Fora de ordem. Editor-adjunto da Kotter Editorial, é mestre em Teoria Literária e organizador do sarau-coletivo Vespeiro - vozes literárias.
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